quarta-feira, 24 de julho de 2013

Balanço



Era uma casa muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada. A céu aberto ficavam os ossos, dentro da pele seca e rachada, polida pelo vento e queimada pelo sol. As ilusões de um dia feliz fugiam do orvalho escondidas sob a escada que só descia. O teto inútil sempre empilhado, esperava para ser coberto pois não queria dormir ao relento.
Ninguém podia entrar nela, não, porque na casa não tinha chão. O batente sem porta guiava sempre para fora. Os pássaros, sem ver o dentro, se acostumaram com o modelo e faziam ninhos sempre do avesso. Quem lá pisava sentia medo e se sentia descendo à terra.
Ninguém podia dormir na rede, porque na casa não tinha parede. O canto do grilo buscava o eco que as janelas não devolviam. O jardim por primeira vez via sua parte traseira, onde cresciam árvores condoídas do desânimo das trepadeiras.
Ninguém podia fazer pipi, porque penico não tinha ali. Besuntados de urina e fezes os tijolos só pensavam em tornar-se pó para ir embora do lugar. Os gatos, faltos de areia, ansiosos confabulavam esperando esse momento.
Mas era feita com muito esmero, na rua dos Bobos, número zero. O homem não contava. O seu esforço de magia para tirar do nada uma construção, desencantado por outras forças, ficava à toa em meio ao terreno e sustentava contradição.

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