Quer se trate de um bailarino, um ator, um desconhecido, um amigo ou um parente: quando você encontra um corpo, quando você descobre um corpo, o corpo está ali, de uma só vez, descolado da pessoa, da ...
fala, do contexto, do sentido, da história, da
paisagem. Um corpo é sempre estranho e estrangeiro, em sua opacidade
inapreensível, inesgotável, irredutível. O corpo pode significar algo, enquanto
signos, gestos, mímica, com todas suas possibilidades, mas o real que aí se dá
como corpo é aquele que rompe com a significação. O corpo é esta ruptura. O
corpo é este estranho começo e recomeço que pode colocar tudo em questão, o
pensamento, a narração, a significação, a comunicação, a história: ele introduz
uma catástrofe no tempo que escoa. O corpo como ruptura implica uma figura
quebrada do tempo, da história. Não é de se estranhar que certas artes intensamente
ligadas ao corpo evoquem uma imagem rompida, barroca, da história – logo, uma
figura catastrófica do tempo...
(Kuniichi Uno - Corpo–gênese ou tempo–catástrofe:
em torno de Tanaka Min, de Hijikata e de Artaud, p. 2012)