domingo, 1 de setembro de 2013

Experiência - Parte B



Então, de novo, reconheço um ponto de encontro. Apesar de não observar diretamente a Iandra, percebo uma repetição. Um movimento já visto parece ser o início de uma sequência. É o padrão da dança. A padronização dos movimentos permite produzir uma identidade para o fenômeno estranho. Os movimentos repetidos são apreendidos como sequência, como característica. Deste modo, o padrão torna possível a realização das expectativas, resolve o nada, aquilo que é esperado se cumpre e o domínio sobre o que era desconhecido se restabelece, desde que esteja formulada, ainda que provisoriamente, sua singularidade. Aparentemente, quanto mais os movimentos do corpo seguem as cadências musicais, há menos divergências que impedem a projeção de um padrão e este é entendido ou produzido rapidamente. Quer dizer, quanto mais fácil for apreender o padrão menos saltam à vista outros aspectos do acontecimento. No entanto, para percebê-los, alguma relação é necessária entre as vibrações e os movimentos visíveis, por mínima que seja. Com esta condição suprida, o corpo do dançarino se transforma no corpo do som. Também se reafirma o vínculo corpo e espaço, mas desta vez é o espaço preenchido de som, como um fluído de presença absoluta. O tipo de dança que marca as pulsações mais evidentes calca as vibrações e repete o domínio do espaço visual, ao qual estamos habituados com os movimentos cotidianos. Não nos permite perceber o espaço sonoro. Assim, parece que quanto mais a dança se afasta dos acentos da música, mais ameaça a noção de relação entre o corpo e o espaço e, ao mesmo tempo, chama a atenção para esta relação. Quer dizer, a dificuldade de produzir mentalmente um padrão para os movimentos e a evidência de sua dessincronia com o fluído sonoro fazem com que a consciência atente para esta relação – habitualmente harmônica – entre corpo e espaço sonoro. O dançarino surge como o corpo do som quando seus movimentos nos permitem reconhecer essa presença total e invisível das vibrações.
Se pudermos visualizar este fluído, se o imaginarmos de alguma cor, por exemplo, ou com alguma consistência notável, como se fosse água, poderemos supor que em qualquer caso, na dança rítmica ou na arrítmica, o dançarino se desliza por ele, faz de suas ondas o sustento em que seu corpo ganha impulso. Uma mão, um pé, a cabeça, uma curvatura do tronco, tudo se apoia no som para mover-se no espaço. Se os movimentos forem mais de acordo à marcação sonora, o dançarino se apoiará em cada onda emitida a partir do núcleo do som. Se, ao contrário, forem mais desconcertantes, o dançarino atravessará as ondas, se apoiará em algumas quando perder o movimento, e somente com esse impulso cortará o fluido e deixará no espaço de som o rasto de sua dança contrária aos estímulos rítmicos.
Seria interessante tentar criar um tipo de dança em que isto fosse sugerido. Em que a intenção da coreografia não fosse evitar ou aceitar as referências rítmicas simplesmente, senão gerar no espectador a consciência desse espaço, procurando destacar as ondas e os pontos de apoio de modo a fazê-lo parecer manipulável ou tangível. A coincidência precisa entre os movimentos do corpo e alguns pontos de apoio poderia trazer à luz o fluído sonoro pelo qual nos movemos permanentemente sem percebê-lo.

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