sábado, 28 de dezembro de 2013

perforMAgem

Descobri uma certa relação de tempo e espaço.
Estou simplificando a coisa, é claro.
Não descobri.
Já sabia.
Mas trago mais próximo do complexo além das células que por sua vez já continham em si o engendramento do que quero falar agora.
Me refiro ao MA do butoh Hijikatiano mas não é bem isso só isso.
A valorização da diferença é o principal enraizamento necessário para o jardim.
Quero me referir à deterioração de toda moral que necessita dela mesma para poder virar Pátina Natural aos olhos ocos.
Não se valha do racionalismo ou cartesianismo ou caretismo pra dessincronizar o significado para além da significação que aqui pode vir a aparecer.
Tampouco queira a esquizofrenia, intuição vaga, surrealismo, dadaísmo ou coisa que o valha como lei.
Importo-me com a relação possível com cada acentuação manifesta, e o estado bruto da criação.
Houve um tempo em que escrever me parecia ser o lugar máximo de minha existência, a plenitude de minha expressão no mundo.
Hoje, este lugar me parece distante.
Agora, sinto uma relação sinestésica e afásica que se esforça para encontrar termos que dêem a ver o que se quer ao mesmo tempo em que não enclausurem a peça-chave em contato com a informação.
Um sistema complexo de informação que vagueia por sintonias possíveis e que estabelece pontes criativas por meio do pensamento.
A pretensão de ser essa uma escrita de corpo só equivale à sua possível frustração ao encontrar pescoços rígidos.
Houve um banho na água da rebeldia em algum momento de minha estruturação.
Aqui, pesquisando sobre o corpo de bueiro, sobre butoh de hijikata, encontro minhas grutas e caminhos, meus canos que construo para que passe água quente.
Não poderia ser diferente, realmente acredito que só existe uma maneira adequada de se mover, e que tem a ver com cada um ter sua própria maneira de se mover.
Não necessário é negar ou afirmar qualquer caminho ou fonte, creio que o processo digestivo é o que mais importa.
Neste ponto, não acredito como cerne daquilo-arte que manifesto uma preocupação com a representação, imitação, aprendizado clássico ou com formas preestabelecidas.
Acredito em caminhos que apontam ou sugerem ou inspiram o caminho individual de cada um.
A possibilidade de questionamento sempre me acompanhou e hoje encontra sua maneira de lidar com a moral, com o aprendizado social do movimento, das habilidades precárias que elegemos para servir ao mundo em que estamos.
Percebo um momento oportuno de minha maturidade.
Percebo as possibilidades de, com um picão, fazer um furo que estoure o cano por dentro.
Percebo como me é necessário o contraponto absurdo do comportamento normótico para que minha maneira de mover e comunicar se expresse e encontre formas de destruir os alicerces da construção que não me faz sentido e por sua vez é justamente aquela que me é necessária, como um dínamo do ser movente que possa devir.
Fluxo, Consciência, Estados CorpoMente, é um papo complexo.
Mas é isso que me encanta no momento.
Corri uma hora sem praticamente sair do lugar. Deixei a marca de meu suor pelo caminho. Ao parar por menos de dez minutos, deixei a marca do corpo no chão de madeira. Em seguida corri mais uma hora, sem, novamente, praticamente, sair do lugar.
Digo corri porque é a ação que mais se assemelha aos gestos corporais que me engajava durante este tempo e em referência ao espaço, mas no fundo estava em gerúndio espaço-tempo.
Minha ação performática possuía o respaldo da instituição.
Ainda assim, arestas no cotidiano puderam ser captadas durante o processo.
Muito suor saindo do corpo.
Pessoas apressadas.
Árvore de Natal.
Nunca mais este prédio em que estamos...
Não vejo a hora de tirar minha aposentadoria.
Televisão ligada.
Quantos Quilômetros?
Rastro de suor.
Correr sem sair do lugar, praticamente, não era nada senão uma experiência individual minha, um rito pessoal, uma pesquisa sobre limites do corpo e de meu estado de vigília e percepção diante de uma ação repetida com rigor e intensidade, mas que necessitava do testemunho, a outra parte, aqueles que não se esvaíam ao limite concreto numa concentração de duas horas.
Talvez fosse uma tentativa minha de concentrar a vida que se esvaía dos poros, desde sempre de uma forma diluída.
Eu não era mais intenso que cada marca que cada corpo que cada linha perceptiva e existencial disposta em qualquer canto do prédio da Fundarte.
Por outro lado, criei a minha mitologia pessoal que engendrava a certeza interior de que eu estava fazendo exatamente o que deveria estar fazendo enquanto o estava fazendo.
Não haveria como estar por dez minutos, necessitava estar num lugar zero, quero dizer, eu não poderia saber que já estava há tanto tempo, não poderia saber quanto tempo ficaria a partir dali.
Vazio de intenção, porosidade para transbordamento, não dizer ao outro o que a minha mente percepção cria de significado a partir de minha ação e do encontro com outras ações e corpos e timings.
De forma alguma a brigada militar poderia aceitar minha ida pra rua, eu tinha plena certeza disto.
Tenho, por certo, também, que a cueca branca, tornada transparente devido à intensa sudorese, seria o gancho com o qual pescariam minha tentativa tola de abalar algum pedaço de corpo social que pudesse resguardar um resquício de sensibilidade e atenção à diferença, que dado o contexto, minha ação na rua poderia ser tanto ínfima como cavalar, grotesca ou sublime, e quanto a isso, minha escolha foi não ter a pretensão de querer a significação que mais me conviesse ou parecesse adequada. Quero a criação alheia a partir do contato.
Barreira numero 1: Loucura.
Acho que ele é esquizofrênico
Loucura tem que ver com medo e controle, sim?
Moço, você está bem?
Faço que sim com a cabeça.
Moço, você precisa de ajuda?
Faço que não com a cabeça.
Não satisfeita, a moça pergunta outras vezes, mais e mais vezes, eu paro de menear a cabeça, algumas crianças riem, percebo câmeras me filmando, escuto uma voz dando o endereço, por telefone, da esquina em que estou correndo sem avançar.
Neste momento, ao mesmo tempo em que me deleito com a imagem que faço de minha própria ação de correr com muito vigor sem avançar, percebo o movimento ao meu entorno como uma necessidade de controle social, sob o pretexto de uma preocupação com minha saúde, com o chamamento da polícia, resolvo voltar para a Fundarte, onde desde o início possuía respaldo da instituição.
Crio hipóteses sobre pudor, violência, autoria, corpo, normose, cotidiano, controle, poder; e resvalo pelo terreno obscuro das roupagens possíveis destas mesmas coisas.
Então penso se ter uma autorização policial e médica poderia me permitir estar na rua realizando este ato com meu próprio corpo.
De fato preciso experimentar com um calção qualquer.
O velho aprendizado em tornar-se cada vez mais sutil.
A insalubridade que experimento em meu próprio centro gravitacional ao adequar minha postura e movimentação ao sistema de movimentos adequados socialmente é tão intensa que, ao fazer a escolha de não abandonar minha sensibilidade, criatividade, porosidade, antropofagismo único mutante não linear e nem ideológico, acabo por fazer também a escolha de colocar no mundo a ação que mais me faz sentido, assim, aquilo que chamo de performance tanto é uma necessidade da geração de pergunta quanto de uma relação com um permitir-se mover.
Não me encontro politicamente engajado senão pelo desdobramento de meu estado criativo, de estar no mundo como um processo potente, sem verdades prontas, sem respostas, no meio do questionamento sobre limites, fronteiras, loucura e sanidade, e entendendo que tudo passa de todas as formas pelo corpo.
Não sei dizer como e sei que isso não é uma regra e justamente pode servir como contrário do que comigo ocorre.
Mas, tenho percebido que a viagem para dentro está me levando pra fora, para o encontro, para o mundo.
Fico feliz com esse borramento de limites entre aquilo que costumo chamar de dentro e aquilo que costumo chamar de fora.
Não compreendendo ainda como conseguimos nos organizar socialmente de forma tão pouco sinestésica.
A garantia do exercício da possibilidade se fazendo atualizar em minhas conexões neurais e mecânicas.
Ainda que somente estar parado em pé, em seguida da minha desistência e encontro com a dor bloqueante nos tornozelos, que por sua vez foi meu alarme mais pungente, tenha sido o momento de início do aprofundamento de minha pesquisa sobre o MA, percebo como a ação física e a escolha feita pela inteligência-tornozelo foram aqueles que me deram tal possibilidade.
Tornei-me observador de meu próprio movimento e paragem. Tornei-me testemunha do corpo que estava ali e já não era meu, digamos assim. Ser dançado é algo possível.
Penso que este contato com a dança me coloca em trânsito, me afasta, a priori, também do espaço da própria constituição generalizada da dança. Com isto, novamente me deparo com a possibilidade de trânsito entre fronteiras e encontro a necessidade de estourar o cano por dentro.
Bueiro me levou pra cano.
Cano me levou pra veia e artéria.
Veia e artéria me levou pra sangue.
Sangue me parece algo em fluxo contínuo, uma coisa material que me aproxima daquilo devir e aquilo que seria o corpo do espaço.
Entrar em sintonia e ressonância com o corpo do espaço.
Estabelecer pontes, diferentes estações de rádio.
Habilitar a possibilidade de ruído no canal.
Fazer esses movimentos o mais apropriadamente possível.
Acho que é isso que hoje chamo de performar.
Ou, trazendo uma imagem mais poética:

O corpo está disposto
e sem esforço
estoura seu cano por dentro
 o jato fino de sangue mancha o rosto de quem observa.

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